Chamada
Os meus olhos abriram-se perante um telefone azul na casa de banho do hotel de 4 estrelas. A quem vou telefonar? A um canalizador, proctologista, urologista, a um padre? Quem entre todos merece o primeiro telefonema? Escolhi o meu pai porque os telefones de casa de banho sempre o fascinaram. Liguei para lá. Atende a minha mãe. “Mãe, posso falar com o pai?” Ela engasga-se, e então eu lembro-me que o meu pai está morto há quase um ano. “Merda. Esqueci-me que ele está morto. Desculpa, como me pude esquecer?” “Tudo bem”, disse ela. “Fiz-lhe uma chávena de café instantâneo esta manhã, e deixei-a na mesa. Como o faço há, sei lá, vinte e sete anos. E não me dei conta, até esta tarde.” Riu-se para os anjos que aguardam as nossas pausas no mais comum dos dias.
Comentários
mos
como se acentua junto dos olhos a mesma sombra. Os
lábios
fecham-se; à sua volta, um halo apenas: continuam
afastadas
as pregas da cor, o rumor trazido pela luz. Há um con-
torno
que pode tornar-se nítido. É tudo o que se
procura. Depois esperamos
que venha a respiração ao encontro dessa superfície
até se encontrar
um nome. É o meu. Se quiserem podem esquecê-lo
agora.
Fernando Guimarães
Beijo-te,
Beijo-te,