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A mostrar mensagens de junho, 2009

O rosto

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Cada um deve entrar em si próprio, a cada lento respirar, com as suas excepções à regra, com as suas abstinências. A luz deve perder-se ali, onde cai a eternidade. Recordo a morte dos solitários do mundo e de todos os desejos. Eles sentiram a máscara e a falsificação da máscara: o rosto das pequenas e inúteis cerimónias que nos comovem.

Ascensor

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A liberdade é um movimento em ascensão até às mais altas hierarquias. Tomar o tempo dentro de si, dentro da nossa dimensão limitada, e abri-lo como um olhar que alcança tudo: o passado, o presente e o futuro. A liberdade explica o tempo, e devolve-o ao seu destino real: a eternidade. A liberdade identifica-se com a aventura de ser.

Acendes

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Pelo caminho vão-me caindo frutas da mão e vou deixando manchas na poeira, onde quer que pise; um pássaro amanhece perante o meu olhar e em seguida anoitece entre as suas asas; a assembleia de formigas dissolve-se quando a tempestade se aproxima de mim; aquece o mar; a nudez do campo vai-se vestindo e o vento desencadeia uma guerra civil entre ervas. Venho nu. É dia de me elevar, eu conheço-te e recordo o momento em que coloquei o meu corpo entre os teus braços, entre o teu corpo quente. Conheço-te e espreito os teus seios a ascender até aos meus lábios.

Tens asas

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Despertaste em sobressalto, febril, caindo para o lado vazio da tua cama, tacteando com manos que sentem a ausência. Sentiste então a vida agarrar-te e preencher o vazio nas tuas veias, os teus músculos, a ânsia. Ardes. Tornas-te pleno nela, consumas-te e dizes o seu nome: abro-me a ti em carne viva. A minha pele morre à espera da tua, a minha boca ansiosa. E ao chegar aos teus lábios, com o teu sabor, o fogo lento da tua língua, as minhas mãos em ti numa fértil carícia...

Para além da imagem

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Inundado, espreitou-a, a textura granulada da pele aqui e ali salpicada de gotículas luminosas, sentiu, misturado com o seu perfume, o seu aroma agridoce e vegetal, e inspirou-o profundamente para acumular nos seus pulmões algo dela, algo precioso, consciente de um doce amanhecer.

Tarde lenta

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Toco-a com as minhas mãos, beijo-a, deixo que adormeça lentamente no meu peito, que desperte estremecida de um sonho interrompido. Enfrento o céu, os pássaros e a sua boca entreaberta, delicada e trémula. Intima como um toque, a tarde, observo um avião rasgar o ar e quase lhe toco com a ponta dos meus dedos. São tantas as coisas que me fazem senti-la: a luz, o vento, uma mão nesta tarde que parece de carne, esta tarde de olhar lento.

Prodígio

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Sou o teu corpo, sou nele, queima-me. Mas não me deixo ser apenas o teu corpo. Sou o teu corpo, quando entre nós escorre o inexplicável sangue. Sou o teu corpo, que me difunde e me sustém, e de onde descendem as palavras. Tenho-te como essência.

Aprender

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Aprender outra vez a falar. Aos quase quarenta anos, aprender não um novo idioma, mas aprender de novo a falar. Deixar cair preconceitos, ainda que não nos caia nada. Ler outra vez alguns livros, não importa se os lemos ou nunca os lemos. Escutar as pessoas sem dar conselhos, sobretudo as que nada têm a ensinar-nos. Não reconhecer nunca a angústia como um meio para a realização. Combater a morte sem proclamar o combate. Em duas palavras: amar e viver.

Digo

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A palavra é chama em casa, e nos jardins. Sente-se, assim como o silêncio que a envolve. A palavra é a voz dos renascidos, um jogo invisível, dança entre cortinas, face a ti, que é onde vive a palavra antes de desaparecer.

Sente-se

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A vida sente-se aqui como um amanhecer sem fim, não como uma coisa que passa. Viver com tranquilidade a manhã, o meio-dia, é uma forma de imortalidade. Enorme o apetite, cor de pele, musical, azeite e vinho, um abraço eterno.

Queda

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Caído no chão, o anjo da tristeza, da esperança, do sonho; o anjo caído estava ali por uma razão, por uma segunda oportunidade de vida, por asas humanas. Crescidas as asas, o anjo caído não repetirá os erros, regressará ao caminho escolhido, pedirá perdão e esperará ser ainda esperado.

A última noite

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Entre carícias nocturnas, vejo-te inclinar sobre a cama, com a garganta preparada para ser mordida, demasiado ardente para estar imaculada, e os teus lábios entreabrindo-se; não sei o que disseste mas percebi uma palavra: prazer. E toda a tua boca era vinho para a minha boca, e todo o teu corpo era alimento para os meus olhos; os teus braços ligeiros, as tuas mãos quentes, o teu aroma, os teus pés ligeiros, tu, toda.

Maria

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Apareceu uma manhã lá na sala do grupo juvenil; a sala ficou cheia de verão. Reapareceu, vinte anos mais tarde, uma noite de final de verão, entre luzes e colunas. Senti-me ao ar, sem piso, sem peso, e senti-me suar depois de pegar na mão dela com a minha já húmida. Olhei-a e, às vezes, ela olhava-me para além do olhar (não o sei explicar melhor). Nunca me esqueci que se chamava Maria e não precisei de voltar a olhar para saber que ainda a amava.

Acredita

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Tinha captado o instante a partir do qual a luz, tendo tropeçado num acontecimento real, ia apressar-se até o seu fim. Já chega, vem o fim, algo sucede, começa tudo.

A vida acordada

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Hoje que está uma manhã fresca, azul e luminosa; hoje, que a manhã parece um rapaz brincalhão e o sol parece querer subir pelas nuvens, hoje riu-me. Hoje, que a tarde está dourada e acesa; em que se canta sob o céu côncavo que copia o mar, hoje, a vida acordada, hoje quero beijar-te.

Criaturas

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Uma das diferenças entre os seres humanos e os outros animais é que um ser humano não tem apenas um meio ambiente, como têm todas as criaturas. Tem um mundo. Um meio ambiente tem lagoas, enquanto que num mundo não existem lagoas. O néctar é parte do meio ambiente de uma abelha. Os berços, os ministros e os BMWs não. Não há lagoas no mundo desta nova criatura, porque às lagoas chama isso, lagoas, ou o desconhecido, ou mais além, ou não se sabe.

Sou em ti

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Esta noite, adormeço com o sussurro de lençóis em queda, enredando-me nos aromas da casa. Quero amanhecer no teu corpo, que se transforma, com a transparência da água, a tua pele encharcada de branco. Liberta, és como uma gata, deslocas-te com as sombras. Agora, cerra-se a humidade do ar. Perdemos o sono, oscilo na esquina do teu corpo. Nascerás para mim?