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A mostrar mensagens de julho, 2009

Clima

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Os realizadores de sonhos sobreviveram aos climas gélidos e brotaram por geração espontânea nos climas cálidos. Quem sabe as árvores, os céus azuis, as chuvas torrenciais tiveram algo a ver com isto. A verdade é que estes seres não deixavam de sonhar, de viver e de construir mundos, mundos de homens e mulheres que se chamavam de amantes (de quem ama), que se ensinavam uns aos outros a ler, se consolavam nas mortes, se curavam e tratavam entre si, se desejavam, se ajudavam na arte de querer e na defesa da felicidade.

Nesta noite

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Nesta noite, quando a lua se lança sobre os mundos, eu pergunto-te o que procuras nas águas intermináveis que como corpos se amam. Diz-me o que procuras, que é o que procuro. Nesta noite, pergunto-me sobre o destino do sangue correndo como um rio onde toda a carne com a carne, a pele húmida e a terra que se desfaz ao toque.

Os realizadores - parte I

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Desde pequenos estavam marcados pelo amor. Por detrás da sua aparência quotidiana guardavam a ternura e o sol de meia-noite. As mães encontravam-nos a chorar por um pássaro morto. Estes seres viveram no mundo dos realizadores de sonhos, atacados ferozmente pelos portadores de profecias de catástrofes. Chamaram-lhes iludidos, românticos, pensadores de utopias. Os realizadores de sonhos faziam amor todas as noites. Desta forma recomeçou o mundo a sua vida.

Do nosso planeta

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Em todas as profecias está escrita a destruição do mundo. Todas as profecias contam que o homem cuidará da sua própria destruição. Mas os séculos e a vida que sempre se renova engendraram também uma geração de amadores e sonhadores, homens e mulheres que não sonharam com a destruição do mundo mas com a sua construção.

Os vivos

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Hoje venho falar-te, porque tu nasceste comigo e crescemos juntos. Nesta noite em que a minha história acaba, em que os séculos sonham sob as plantas dos meus pés descalços, sob a terra onde crescem árvores. A ti, nesta hora, porque a tua voz me chama e no profundo das minhas entranhas sinto remover-se outra água. Apenas tu, mulher e mar, gemendo a solidão tremenda. Quieta e muda, a terra, a fúria da selva. Sempre nos conhecemos. Sempre soubemos. Igual o nosso sangue: transparente e único; vermelho, múltiplo.

Nos meus braços

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Quero que entre os meus braços caia o teu dormir como entre muralhas asiáticas. Quero, com o meu sopro, devolver a vida a quem me mostrou tal desejo. Um amanhecer, um duplo bater de coração a despertar, dando aos seus olhares aventuras que percorrem com pasmo o mundo e, no regresso, conquistas de estranhos sóis. Mas deve o homem transmitir o culto das suas loucuras? Deve nos seus delírios arrancar do nada os segredos do passado? Aqueles seres, aquele jogo de grande sedução da nossa morte e o efémero arder da nossa carne, sombras que deslumbram, continuam a viver ocultos no interior das árvores, devolvidos à natureza em que nasceram.

De luz tecido

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E viste, como nas farsas da vida, que estes bonecos como os humanos, são movidos por cordéis grosseiros, que são os interesses, as paixonetas, os enganos e todas as misérias de sua condição: atam uns aos seus pés e levam a tristes andanças; atam outros às suas mãos, que trabalham e lutam com raiva, furtam com astúcia, matam com violência. Mas entre todos eles desce por vezes do céu um fio subtil, tecido com luz, que aos humanos, como a estes bonecos, põe asas e lhes diz que nem tudo é farsa, que há algo divino na nossa vida que é real e eterno e não pode acabar quando a farsa acaba.

Contigo nasci

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Hoje, vinte de Setembro do ano dois mil e oito, eu estou vivo, no meu pais, na minha cidade. Em que cidade não importa. Amanhã não! E eu vivo no meio desta maravilha em porcelana e tenho um nome, uma ocupação, um dever e tempestades de desejo, aqui, secretamente, na voz afogada, algemada. E eu respiro, e ando, e caio, e rodo e volto a ver árvores sedentas e pássaros embriagados na música do vento, e estou imóvel e absorto e maravilhado de mais um dia a arder no peito. Hoje, vinte de Setembro, olhos nos olhos, um planeta onde os lábios se juntam aos lábios, eu vivo uma única vez, um dia inumerável, entre as minhas mãos, a vida flui, sede nas minhas artérias loucas, por mim, através de mim, e trespassa-me neste minuto, hoje, vinte de Setembro, hoje, vinte de Setembro.

Wild is the Wind

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Perguntam-me porque me entrego assim ao amor. O amor é o furacão, e o homem que se entrega a ele já não é o homem, é a folha arrebatada pelo vendaval.

Os gatos

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Dois gatos, de corpo elástico, de olhos cor de mel e pelo sedoso. Levantam a cabeça para se orientar, e logo o avanço sonolento. Pararam silenciosos ao pé das cisternas, vagueiam, estendem-se, enlaçam-se, e encerram-se os olhos de um dia moribundo. Começa agora o desfile nocturno de desafio à melancolia.

Dom de ser

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Recebi este dom, sem preço, o de não por travão ao meu ser. Pelas manhãs, eu saboreio a presença de uma nova existência, o nascimento da minha percepção. Tenho agora a faculdade da descoberta perpétua. Estou totalmente receptivo, capaz de escutar, ao ponto de não pensar em mim mesmo, de compreender as emoções que se apresentam perante mim.

Sede

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Eu vivi na doce espera da sorte. Compreendi que a sede que nasce a cada momento de prazer, se antecipa a este, da mesma maneira que existem respostas prontas para qualquer pergunta. Fui feliz quando o teu estado aquático me revelou que tinha sede, e quando em pleno deserto (onde a sede não se pode saciar), preferi, apesar de todo, a força febril que me inspirava o teu calor. Na extensão de areia golpeada pelo sol e adormecida - o calor era tanto que vibrava o ar - senti o pulso da vida, uma vida que não podia dormir e plena deste nosso amar. Procuramos dia a dia, minuto a minuto, esta maneira pura de penetrar a natureza.

Eles sabem

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Eles sabem que uma noite de lua tem recordações luminosas. Sabem que o sangue tem um sabor doce, e gostam de o sentir, com o seu lento fluir e como seca logo sobre as unhas selando o amanhecer. Que um corpo nu é uma flor aberta, e que por vezes se morre pelo odor de uma pétala.

O presente e o porvir

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O prazer ao tocar o teu calor como amante. Corre mel e vinho nas tuas veias, corro a tua vida vivo e moro em ti. Quero ser mas nada sou sozinho, quero-te: o meu solo, terra e céu, o meu corpo sólido no teu corpo. De presença absoluta, ânsia, as estrelas sobem contigo, eu sigo-te. Quero-me vivo no teu olhar, no teu pensamento, no mesmo mundo em que giras, seguir a tua estrela natal, sexo de fogo. És a minha verdade, o dito e o por dizer, o presente e o porvir.

Aqueles que tudo são

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Liberto-me do movimento circular da minha mente e suspendo-me livre do silêncio. Criatura além do tempo e da morte, da minha própria eternidade, vejo o centro. Escapou-me e o pequeno ego está morto. Saí do universo em que acreditei, cresci sem nome nem medida. Cala-se a mente na luz e deleita-se no compasso de um sereno bater de coração. O meu sentir enlaçado pelo toque, os sons, a visão; o meu corpo é um ponto entre brancos infinitos. Contigo, sou prazer puro. Contigo, um: somos aqueles que tudo são.

Anatomia

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Para além da dor e do prazer, a carne que fala numa linguagem de sombras e cores difusas, a carne convertida em paisagem, em terra, em acontecimento, em oceano, em animal e em evidência. Espreitando a carne tão aberta e próxima, vejo ali a vida: o real. O cabelo às vezes tão perto e essa face onde o toque confunde o dia com a noite, fresca bela vida, a metade da cama onde os membros se enlaçam enquanto a língua passa como uma flor carnívora entre os dentes. A voz entrecortada do amar, saciando-te, saciando-se, saboreando. Os mundos, os ossos que seguram o corpo, essa fome, essa felicidade como o céu aberto. A terra gira, a carne aquece, muda a paisagem, passam as horas.

A caminhar

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Caminho passo a passo até ao destino do sentir e, ao caminhar, cuido de mostrar a emoção exposta na montra do meu peito. A minha pele, o meu rosto, a minha voz, o meu sexo, os meus actos na exacta medida da palavra murmurada e do silêncio que nos descrevem. Um acto intemporal em que observo o brilho opalescente da luz que nos entra em casa sobre a tua face.

Um incêndio

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Aquele que diga a primeira palavra deixará cair o primeiro vaso, aquele que golpeie o seu assombro com violência verá aparecer o fogo nos seus cabelos, aquele que ria em voz alta será o primeiro a guardar silêncio, aquele que desperte antes de tempo surpreenderá o seu corpo entre as árvores; e o mar, como algo interrompido, volta a ouvir-se ao longe e na sua respiração escutamos outra vez o ruído daquela porta que bate empurrada pelo vento.

Espelho

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Sob a luz de uma lua parecida com a nudez de algumas palavras, escuta este ritmo, esta vacilação das águas, move-se a noite e eu deixo-me arrastar por aquilo que quero dizer: aquilo que ignoro, e é aqui que a frase pensa no seu próprio silêncio. Uma noite de palavras, onde a frase regressa ao seu silêncio e o silêncio retoma a primeira frase, na linguagem reaparecem as primeiras estrelas do mar, e os animais da neblina passam o seu dorso nos novos espelhos.

Nota XIV

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Lembro-me de noites manchadas a vinho, desfocadas, de dançar apertado, de olhos fechados, numa pista lotada, dançar, deixar o corpo ir, trocar olhares perto da hora de fechar, a suar sob luzes vermelhas e azuis. Vamos fazer uma pausa e lembrar.

sobre nós

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diz ela: sobre o vivermos finalmente juntos, plenos sobre o acordarmos a rir, a miar, o fazermos amor aqui e ali sobre o esquecermos de lavar os dentes porque estamos colados um ao outro entre fazer amor ali e o voltar a fazer amor acolá sobre as poucas horas de sono, o quanto somos "ambos os dois" afinados a ressonar, o quanto amamos espreitar e ser espreitados um pelo o outro sobre os teus pés no chão de madeira, sobre o chegares e ficares sim, essencialmente é tudo sobre isto: chegares e ficares. diz ele: sobre o encontro de dois corpos, que tudo encontram entre si. és tu. sou eu.

À flor da pele

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Ela aproximou-se, de olhos fechados, beijou-me e as nossas línguas conheceram-se... Nunca tive na minha vida um beijo como aquele. Ela estava encostada a mim, toda. As nossas pernas, pouco a pouco, entrelaçaram-se, sentimos os músculos quentes, que cediam. A minha mão deslizou sobre a sua camisa, adivinhando o corpo que curva a curva ondulava, arrepiando-se a pele. Com os olhos em delírio, era ali o amor.