Meia década


O olhar dela sempre lhe pesou, as questões que lhe colocava não tinham repostas sem dor e no entanto a sua dor nunca lhe retirou o brilho. Meia década menor, mas não mais novo. Sempre mais do que uma testemunha, nunca menos do que um melhor amigo. As coisas por que passaram juntos emergiram da mesma profundidade. Um abismo de palavras penetrantes com o mesmo grau tortuoso.

Imagina... Se não tivesse partilhado a mesma Nemesis, teria a sua maturidade? Se tivesse crescido noutra presença, teria o seu orgulho o mesmo valor? Meia década menor, mas uma década mais sábio.

Comentários

Maria disse…
"Uma palavra. Disse-a. Amo-te - uma palavra breve. Quantos milhões de palavras eu disse durante a vida. E ouvi. E pensei. Tudo se desfez. Palavras sem inteira significação em si... Palavras que remetiam umas para as outras e se encostavam umas às outras para se aguentarem na sua rede aérea de sons. Mas houve uma palavra... Uma palavra que eu disse e repercutiu em ti, palavra cheia, quente de sangue, palavra vinda das vísceras, da minha vida inteira, do universo que nela se conglomerava, palavra total. Todas as outras palavras estavam a mais e dispensavam-se e eram uma articulação ridícula de sons e mobilizavam apenas a parte mecânica de mim, a parte frágil e vã. Palavra absoluta no entendimento profundo do meu olhar no teu, palavra infinita como o verbo divino.

Uma palavra. Recupero-a agora... Amo-te. Na intimidade exclusiva e ciumenta do nosso olhar mútuo e encantado. Fecha-nos o lençol na claridade difusa do amanhecer, estás perto de mim no intocável da tua doçura.

Uma palavra. A primeira que em toda a minha vida me esgotou o ser. A que foi tão completa e absorvente, que tudo o mais foi um excesso na criação. Deus esgotou em mim, na minha boca, todo o prodígio do seu poder. Ao princípio era a palavra. Eu a soube. E nada mais houve depois dela."

Vergílio Ferreira in, Para Sempre

Para sempre.
Tua,

Mensagens populares deste blogue

Um incêndio

Sentido de despertar