Aconteceu



Sem dizer palavra, ela levantou um pouco o fragmento, a fim de podermos vê-lo. Todos o tínhamos visto, ainda que ela aparentasse ignorá-lo. À medida que crescia o medo, tornávamo-nos mais cautelosos. Corríamos como loucos; populações inteiras em fuga. Algo novo e poderoso havia rompido a vida, homens e mulheres apenas pensavam em salvar-se, abandonando casas, trabalhos, negócios, tudo, mas não o comboio onde seguíamos, o maldito aparelho do qual já nos sentíamos parte, como um assento, continuava com a regularidade de um relógio. Por decência, por um miserável respeito humano, ninguém tinha coragem de reagir. Os comboios, como se parecem com a vida! Faltavam duas horas. Duas horas mais tarde, à chegada, saberíamos a sorte que nos esperava a todos. Duas horas.

Uma hora e meia. Uma hora. Já descia a obscuridade. Vimos ao longe as luzes da nossa cidade, reverberantes, um halo amarelo, voltou a dar-nos um pouco de coragem. Por pouco tempo. Ainda que o comboio se movesse, a estação estava deserta. Por mais que procurasse não consegui encontrar uma figura humana. Por fim, o comboio parou. Que teria passado? Encontraríamos alguém na cidade? De repente, a voz de uma mulher, violenta como um disparo. “Socorro!”, um grito com a sonoridade oca dos lugares abandonados para sempre.

Comentários

Maria disse…
És a duração,
o tempo que amadurece
num instante enorme
flecha no ar,
branco embelezado

Dia feito de tempo

enchendo-me de ti: luz

E flutuo, já sem mim, pura existência.

Octavio Paz

Abraço-te,
Unknown disse…
vestida del color de mis deseos
como mi pensamiento vas desnuda,
voy por tus ojos como por el agua,
los tigres beben sueño de esos ojos,
el colibrí se quema en esas llamas,
voy por tu frente como por la luna,
como la nube por tu pensamiento,
voy por tu vientre como por tus sueños,

Octavio Paz

Abraço-te,

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