Os realizadores - parte II
Eram felizes no seu mundo de açúcar e de vento. De todas as partes vinham impregnar-se dos seus claros olhares e saíam, carregando sonhos. Pelo contrário, os cientistas desenhariam pontes, jardins, jogos surpreendentes para tornar mais agradável a felicidade do homem.
São perigosos – imprimiam as grandes rotativas. São perigosos – diziam os presidentes nos seus discursos. Há que destruí-los. Os realizadores de sonhos conheciam o seu poder, por isso não estranhavam; também sabiam que a vida os tinha habilitado a proteger-se de mortes anunciadas. Por isso cultivavam jardins de sonhos e exportavam-nos em correio especial.
Os profetas da obscuridade passavam noites e dias inteiros a vigiar paisagens e caminhos à procura destes perigosos carregamentos que nunca conseguiam interceptar; a estes pacotes, apesar de grandes, apenas esta nova raça consegue ver; a semente dos sonhos não se pode detectar.
Nós sabemos apenas que os vimos nascer e ascender ao real, sabemos que a vida nos habilitou a proteger-nos de mortes anunciadas.
Comentários
Se o homem pudesse levar o seu amor pelo céu
Como uma nuvem na luz;
Se como muros que se derrubam,
Para saudar a verdade erguida no meio,
Pudesse derrubar o seu corpo para deixar só a verdade do amor,
A verdade de si mesmo;
Que não se chama glória, fortuna ou ambição,
Mas sim amor ou desejo,
Eu seria aquele que imaginava;
Aquele que com a língua, os seus olhos e as suas mãos
Proclama perante os homens a verdade ignorada,
A verdade do seu amor verdadeiro.
Liberdade não conheço outra senão a liberdade de estar preso a alguém
Cujo nome não posso ouvir sem um calafrio;
Alguém por quem me esqueço desta existência mesquinha,
Por quem o dia e a noite são para mim o que queira,
E o meu corpo e espírito flutuam no seu corpo e espírito
Como troncos de árvore perdidos que o mar submerge ou levanta
Livremente, com a liberdade do amor,
A única liberdade que me exalta,
A única liberdade por que morro.
Tu justificas a minha existência:
Se não te conheço, não vivi;
Se morro sem te conhecer, não morro, porque não vivi.
[L.Cernuda]
Hoje sei...
Contigo,
os olhos falam e sentem
os ouvidos prendem e ecoam
memórias, lugares e sons
O olfacto lembra e desenha
uma cama, um corpo trémulo que suspira
que me leva a esquecer porquês
e no tempo me perder
lembrando outra vez o vento
quando era só uma carícia
Se esta é a vibração
que nos devolve ao que somos
é ela a justa medida
que em cada gesto pulsa,
e celebrando os sentidos
dá o próprio sentido à Vida
[Angela Santos]
Este homem diz que te ama, dando assim sentido à Vida.