Mensagens

Onde me (e)levo

Imagem
Cada vez que me sinto extraviado, confuso, penso em árvores, recordo o seu modo de crescer. Raízes e copa com a mesma medida, hei-de estar nas coisas e sobre elas. E logo, quando se abram caminhos e não saiba qual seguir, não sigo um qualquer ao azar: sento-me e aguardo. Respiro com a profundidade que respirei no dia em que nasci, sem permitir que nada me distraia: aguardo e aguardo mais ainda. Fico quieto, em silêncio, e escuto-me. E quando me ouço, levanto-me e vejo onde me levo.

Assim

Imagem
Assim encerra a noite o quarto das suas sombras; assim amanhece o dia. Claridade sedenta de uma forma, de uma matéria que a deslumbre, incendiando-se a si mesma. Como eu. A minha boca espera, e tu por mim, perseguimo-nos, corremos atrás da luz, mortais como um abraço que até ao fim nunca enfraquece.

Este e não outro

Imagem
Espero regressar ao teu círculo. A minha vinda é testemunho de uma ordem que esqueci durante a viagem. Sei-o bem: arder, este e não outro, é o meu significado.

Hábeis e cães

Imagem
O teu sangue derramado pede vingança. Mas no meu deserto já não cabem espelhos. Sou um alienado. Todo o que me acontece agora no sonho resolve-se e muda de aspecto sob a luz ambígua da lâmpada sobre o sofá. Eu sou o verdadeiro assassino. O outro já está preso e desfruta de todas as honras da justiça enquanto eu naufrago na liberdade. Para me consolar, contam-me velhas histórias de erros judiciais. Por exemplo, a de que Caim não é culpado. "Serei o superego do meu irmão?" Justificou assim um drama familiar primitivo, cheio de reminiscências infantis. Para eles, todos são abeis e caíns que trocam e disfarçam a sua culpa. Mas eu não me dou por vencido. Não irei omitir: foi-me transmitido literalmente, de geração em geração, o instrumento do crime.

Lastro

Imagem
Normal. Tudo é perfeitamente normal. Como chover no Outono e frio no Inverno. Atraídos pela luminosidade do teu sorriso, acercam-se vendedores de lotaria, harekrishnas, mórmones, pombas, cães abandonados, folhas caídas e, finalmente, um mendigo. Dás-lhe uma nota de 5 e um abraço, incrédulo. Para não te deixares arrastar pelo optimismo de uma visita ao médico, voltas a olhar para o ecrã líquido do telemóvel, a ver se tens rede. Ainda que não a tenhas, ligas e custa-te a crer que não haja alguma novidade. «Não, nada?», insistes. E, depois de desligar, dás-te conta de que necessito desse lastre de responsabilidade, essa ânsia de preocupação para que não te soltes do todo, para não te pores a voar, como se não quisesses admitir que vale a pena viver, cantar no duche, ajudar a abrir a porta do elevador, dar conversa aos taxistas, entrar numa loja e experimentar roupa que não podes pagar, e escrever, sobre ti, como eu.

Mãos lentas

Imagem
Entre a água e a sombra, um olhar nocturno na metade ardente do braço, a luz que nos une como uma carícia, como um ombro perfeito. (Terei respirado a sua luz? Ao olhar-te, aproximo a lágrima). Sente-se o fogo contra o esquecimento, a chama dupla. Detenho o silêncio em tudo quanto tocas, as mãos lentas no meu rosto, em redor das costas maduras.

Ardemos

Imagem
Ainda vejo sobre o negro das tuas pupilas o fascínio do ocaso; entrando em mim a cada olhar. Escutas a sombra. Escutas-te a ti mesma. Inspiras. Juntos aqui, sobre o mesmo céu, ardemos juntos.