telefone azul em hotel de 5 estrelas



Os meus olhos abriram-se perante um telefone azul na casa de banho do hotel de 5 estrelas. A quem vou telefonar? A um canalizador, proctologista, urologista, a um padre? Quem entre todos merece o primeiro telefonema? Escolhi o meu pai porque os telefones de casa de banho sempre o fascinaram. Liguei para lá. Atende a minha mãe. “Mãe, posso falar com o pai?” Ela engasga-se, e então eu lembro-me que o meu pai está morto há quase um ano. “Merda. Esqueci-me que ele está morto. Desculpa, como me pude esquecer?” “Tudo bem”, disse ela. “Fiz-lhe uma chávena de café instantâneo esta manhã, e deixei-a na mesa. Como o faço há, sei lá, vinte e sete anos. E não me dei conta, até esta tarde.” Riu-se para os anjos que aguardam as nossas pausas no mais comum dos dias.

Comentários

Someone disse…
a escolha recaiu sobre alguém que ja´não existe...
Maria disse…
...
existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.
Álvaro de Campos
Unknown disse…
a escolha foi de alguém que sente, e esse sentir não desaparece com a morte. sinto, logo existo.
Someone disse…
completamente de acordo, nada nem mesmo a morte mata o verdadeiro sentir...mas existe sempre a tendência de dar mais importancia aquilo que já não se tem (fisicamente)
Unknown disse…
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o Sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
(Alberto Caeiro)
Maria disse…
Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim

E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia

António Ramos Rosa

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