Que o homem é a mais nobre das criaturas, pode inferir-se de nenhuma outra ter contestado tal afirmação.
Em diferença III
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O contrário de amor não é ódio, é indiferença. O contrário de arte não é fealdade, é indiferença. O contrário de fé não é heresia, é indiferença. E o contrário de vida não é morte, é indiferença.
[...] li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios, quando alguém morria perguntavam apenas: tinha paixão? quando alguém morre também quero saber da qualidade da sua paixão: se tinha paixão pelas coisas gerais, água, música, pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos, pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória, paixão pela paixão, tinha? e então indago de mim se eu próprio tenho paixão, se posso morrer gregamente, que paixão? ... e o que há assim no mundo que responda á pergunta grega,
...tinha paixão? afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-Índia, ponham alto a música e que eu dance, fluido, infindável, apanhado por toda a luz antiga e moderna, os cegos, os temperados, que não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela...
Aquele que diga a primeira palavra deixará cair o primeiro vaso, aquele que golpeie o seu assombro com violência verá aparecer o fogo nos seus cabelos, aquele que ria em voz alta será o primeiro a guardar silêncio, aquele que desperte antes de tempo surpreenderá o seu corpo entre as árvores; e o mar, como algo interrompido, volta a ouvir-se ao longe e na sua respiração escutamos outra vez o ruído daquela porta que bate empurrada pelo vento.
A árvore em frente à sua casa cheirava-lhe diferente a cada manhã. Por vezes um aroma como os cabelos da sua mãe. Outras vezes levava o cheiro das flores emprestado; e outras ainda cheirava como de regresso de uma longa caminhada. A árvore em frente à sua casa tinha diferentes cheiros, como as pessoas crescidas.
Se a morte deve terminar em conflito, respondi-lhe eu, essa vida miserável não pode ser vida. Pois quem poderia aguentar a escuridão sem um amanhecer? Essa tua vida é uma morte. Pedes aos santos, cujas faces artificialmente iluminadas te asseguram da sua grace interior; se ao menos eles podessem resolver as tuas questões e satisfazer os teus ansiosos desejos. Um brilho oleoso ilumina a tua fronte, enquanto te ajoelhas dizes: "'Esta vida para me encontrar com o Senhor.” Mas a palavra que ouves foi escrita pelos homens, é a verdade de uma igreja não de uma vida divina ou eterna; é a promessa por cumprir do triunfo da vida sobre a morte, feita a troco de pecados perdoados. Deve haver morte tal como existir o erro (não o pecado alimentado pela santa igreja), viver é a minha religião. Eu sei que esta mortal casa de barro se irá um dia dissolver e acabar por desaparecer. Digo eu, assim vivo, luto pelo que acredito, o que sinto por quem amo é a minha graça terrestre: conquisto assim ...
Comentários
li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
...
e o que há assim no mundo que responda á pergunta grega,
...tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-Índia,
ponham alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, que não, que ao menos me encontrasse a paixão e eu me perdesse nela...
H.H. in, A Faca Não Corta O Fogo
Toda a Diferença.
Tudo,
toda,
M.Unamuno
Abraço-te,