o seu nome: maria
Parede contra parede a solidão amarelada separou-te de tudo o que amavas, e com passos furtivos meteu-se no relógio e começou a trocar as horas para que não pudesses notar que terminava ali o teu tempo. E foi assim, um súbito desalento que caiu sobre os teus ombros, como um pássaro enorme, numa madrugada sórdida e cruel com ares de desgraça. E foi então quando, no abandono, pronunciaste o seu nome, repetiste-o como uma criança perdida na sombra. Por azar, esse nome devolveu-te aos dias de intensa luz e sentes agora no vento o aroma de um sítio que conheces, de uma casa onde o sonho passeia por quartos de tecto alto. Aguardas que ela chegue e, quando ela se ri contra o teu peito, sentes o gosto do mar na sua pele e que os seus lábios queimam. Agora já não acordas a horas miseráveis, quando um frio de angústia prolongava o teu cansaço até de manhã, nem tens pesadelos e nem é preciso contar até mil ou que acendas a tv que a tua insónia pedia para limpar a memória. Tudo é diferente quando ela está contigo, quando sentes que respira na almofada junto a ti e que as suas mãos te acariciam enquanto o sono cai. Não perguntes, deixa perder-se o fumo, os anos vãos: um tempo que foi teu e que agora não reconhecerias; põe-te em cima da mesa e fala bem alto a sorte do caminho que te devolveu e diz-lhe (a ela, olhos nos olhos) o que antes não sabias, conta-lhe que andavas perdido por lugares sem nome, que estiveste doente, que renasces com a voz dela e amas a vida porque te dispensou a fortuna de conhecer profundamente o amor profundo.
Comentários
É, já sei, o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir a tua voz...
É o amor com as suas mitologias, com as sua pequenas magias inúteis.
O nome de uma mulher me denuncia.
Dói-me por todo o corpo uma mulher.
[Jorge Luís Borges]
Hoje, muito mais...
Tudo,
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor –
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
[Alberto Caeiro]
Tudo,
da boca do meu coração,
dentro da harpa dos meus pulsos,
a doce carne da manga,
no ouro que baloiça
nas minhas orelhas e pescoço.
Diz o meu nome. Di-lo.
Do modo que é suposto dizê-lo.
[S.Cisneros]
E tudo, muito e muito, profundamente...
Penso em ti e dentro de mim estou completo.
Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.
Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,
E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,
Isso será uma alegria e uma verdade para mim.
[Alberto Caeiro]
O teu nome? Maria.