Não posso



Não posso escrever sobre ti uma verdade superior a ti mesma. Não que seja incapaz por natureza mas, a tua verdade, já a escreveste. E porque tu escrevias para ser lida apenas depois de morta, porque a li contigo morta, a fiz minha, essa verdade é a mais forte de todas. Não poderei ir mais além. O que guardo de ti, e que só a mim diz respeito, não é da ordem da verdade mas sim da física: os teus joelhos, sabor de vinho na língua, perfume nos braços, olhar e voz que me abrasam; não se apagarão. Isso é só meu.

A noite leva-me a luz, objectos que não se vêem, intuem-se. E o silêncio é o que cai quando tudo se sabe e nada se espera.

Comentários

Maria disse…
Não era isso que eu queria dizer,
queria dizer que na alma
(tu é que falaste da alma),
no fundo da alma e no fundo
da ideia de alma, há talvez
alguma vibrante música física
que só a Matemática ouve,
a mesma música simétrica que dançam
o quarto, o silêncio,
a memória, a minha voz acordada,
a tua mão que deixou tombar o livro
sobre a cama, o teu sonho, a coisa sonhada;
e que o sentido que tudo isto possa ter
é ser assim e não diferentemente,
um vazio no vazio, vagamente ciente
de si, não haver resposta
nem segredo.

Manuel António Pina

Beijo-te,
Unknown disse…
"o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer."

[josé luís peixoto]

beijo-te,

Mensagens populares deste blogue

Um incêndio

Sentido de despertar