Ponto de fuga
Estava muito mais longe, na distância para onde convergem os olhos quando espreitam por uma janela e a convertem em local de embarque. Ninguém pode enjaular os olhos que se acercam de uma janela, nem proibir que percorram o mundo até aos seus confins. Nos claustros, cozinhas, estrados e gabinetes da literatura universal existe uma janela fundamental à narrativa, e também nos quartos de hotel que pintou Edward Hopper. Alguém que lê um livro ou que estava a falar com um amigo, espreita pelo vidro, levanta uma persiana, e os seus olhos começam a fugir, pássaros em debandada que nenhum ornitólogo conseguirá classificar, nenhum caçador matar, que levantam voo com destino ao lugar incerto de que apenas se sabe estar longe.
Comentários
são os passos da estação do cio
sobre as brasas do ano
A sede desperta e constrói
suas grandes gaiolas de vidro
onde tua nudez é água encadeada
água que canta e se desencadeia
Armada com as armas do Verão
entras em meu quarto e em minha fronte
e desatas o rio da linguagem
olha-te nestas rápidas palavras
O dia queima-se pouco a pouco
sobre a paisagem abolida
tua sombra é um país de pássaros
que o sol dissipa com um gesto
O.Paz
Há janelas essenciais e igualmente redondas como a rua.
Tudo,
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
[Mário Cesariny]
Encontrei-nos numa rua redonda, não faço tenção de perder-nos em alguma.
Tudo,