Acordar



Toco a tua boca, com um dedo toco o rebordo da tua boca, vou desenhando-a como se saisse da minha mão, como se pela primera vez se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar, faço nascer de cada vez a boca que desejo, a boca que a minha mão escolhe e te desenha na cara, uma boca escolhida entre todas, com absoluta liberdade para a desenhar com a minha mão na tua cara, e que coincide exactamente com a tua boca que sorri por debaixo da que a minha mão te desenha. Olhas-me, olhas-me de perto, cada vez mais perto, olhamo-nos cada vez mais perto e atraem-se os olhos, aproximam-se entre si, sobrepõem-se a quem se olha; respirando confundidas, encontram-se as bocas e lutam, mordendo-se com os lábios, apoiando apenas a língua nos dentes. Fundem-se as minhas mãos em ti, a acariciar lentamente a profundidade enquanto nos beijamos como se tivessemos a boca cheiade flores ou de peixes, de movimentos vivos, de aroma. E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos essa morte súbita é bela. E há uma só saliva e um só sabor a fruta madura, e eu sinto-te estremecer contra mim como uma lua na água.

Comentários

Maria disse…
e ela, com dedo gracioso,
desenhava círculos húmidos...
entrelaçava o meu nome com o seu, eu, ansioso,
fixei sempre o seu dedo...

quando no mais belo momento de felicidade se entrega
se aproxima, sussurrando...
corpo inclinado...

é por isto que a minha rapariga me faz tão feliz: partilha com gosto
o leito comigo...

que felicidade é: trocamos beijos seguros,
confiadamente aspiramos e infundimos sopro e vida.
assim nos regozijamos com as noites longas, escutamos,
peito contra peito, tempestades e chuva e enxurradas.
assim nos aparece a manhã, as horas produzem
novas flores, enfeitam solenemente o nosso dia.

não me invejeis... por esta sorte; e quem me censurar,
que seja tão feliz como eu, o sinta e me louve então.

[J.W.Goethe]

Amanhecer, contigo.
A minha fortuna.
Unknown disse…
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que se ganha em se perder.

[L. Camões]

E tudo ganho contigo, aumento-me, completas-me.
Uma imensa fortuna.

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