Ela morreu II
A melodia circular chega-lhe suavemente ao ouvido, e notas adocicadas, harmonias. Ela esticou o olhar para ver o seu rosto. A sua voz chegou, finalmente, atravessando o vazio, sem peso. As paredes em tons brilhantes fizeram o som ecoar; as estrelas distantes brilhavam sobre os seus pés.
“Porque não nos concedem a travessia deste espaço?"
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Talvez distante, preso num olhar entreaberto e amarelado, respiravas ofegante. O ar com que lutavas, lutavas sempre, gritava o seu caminho rouco. Pelo nariz, entrava o tubo que te sustinha.
Pousei-te as mãos nos ombros fracos. Toda a força te esmorecera nos braços, na pele ainda pele viva.
À hora, mandaram-nos sair. Quando saímos, agarrados como naúfragos, a luz abundante bebia-nos."
José Luís Peixoto in, morreste-me
Abraço-te e assim fico...
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga."
[José Luís Peixoto]
Abraço-te,