Lastro
Normal. Tudo é perfeitamente normal. Como chover no Outono e frio no Inverno. Atraídos pela luminosidade do teu sorriso, acercam-se vendedores de lotaria, harekrishnas, mórmones, pombas, cães abandonados, folhas caídas e, finalmente, um mendigo. Dás-lhe uma nota de 5 e um abraço, incrédulo. Para não te deixares arrastar pelo optimismo de uma visita ao médico, voltas a olhar para o ecrã líquido do telemóvel, a ver se tens rede. Ainda que não a tenhas, ligas e custa-te a crer que não haja alguma novidade. «Não, nada?», insistes. E, depois de desligar, dás-te conta de que necessito desse lastre de responsabilidade, essa ânsia de preocupação para que não te soltes do todo, para não te pores a voar, como se não quisesses admitir que vale a pena viver, cantar no duche, ajudar a abrir a porta do elevador, dar conversa aos taxistas, entrar numa loja e experimentar roupa que não podes pagar, e escrever, sobre ti, como eu.
Comentários
ou uma sombra que se desloca devagar. Há gestos
semelhantes e folhas que não caem. Principia agora
a luz a espalhar-se à nossa volta e a verdade torna-se
mais simples. É como um rosto que reconhece a sua idade.
Fernando Guimarães
Ou renascer na Primavera e amadurecer no Verão...
Tudo,
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.
[José Gomes Ferreira]
Ele há quem renasça no final do Verão...
Tudo,
tão denso em plena liberdade.
Com a boca colada ao horizonte aspiram longamente
a virgindade de um mundo que nasceu.
[Sophia M.B.A.]
E há quem deseje amadurecer na Primavera...
Contigo,
para que os corpos tenham tempo de amadurecer
[Al Berto]
Contigo,