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A mostrar mensagens de fevereiro, 2011

Solução aquosa

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Foi naquela tarde, quando, cansado de uma noite em branco e a sentir-se obsoleto como as ruas onde caminhava, a encontrou sob galhos pendurados e ela sorriu: e sentaram-se sobre uma superfície aquosa de nuvens e céu.

Adstringência

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Não é desvendado o tempo nocturno do seu cabelo, apesar da embriaguez crescente quando ela o entorna sobre o teu rosto: cordas que tremem sobre um arco. Foi naquela noite que a viu dançar, o movimento e o impalpável flutuar das suas roupas, a sua garganta erguida, o seu rosto brilhante. Foi naquela noite que ele a ouviu cantar na sala verde, quando já ninguém dançava, através da espessura das paredes. (Como iria chegar a ela, colocando de parte o parecer amargo?)

Ser imerso

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Não é a carne viva dos teus pés, nem as tuas mãos agarrando o centro das atenções; nem a espessura abrupta do teu riso quando, contrariando o contexto com a sua nudez iluminada, vislumbra a sua sombra alarmada, contorcendo-se. Como é que, então, agora tão perfeitamente consciente, tão sensível às oscilações do vento ou da luz, te ergues silenciosamente sob o azul do ar? Em ela estás imerso.

Zona crepúscular

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Porque é que agora que estás suavemente desperto te toca assim a música? Não é a sua boca, conheceu outras bocas antes; canta baixinho para as folhas depois da chuva. Não são os seus olhos, pois mergulhou frequentemente noutros olhos; apesar deles, sob o brilho amarelado do entardecer, serem janelas para um longo crepúsculo.

Duplo Silêncio

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Bem no interior do sol cresce a libélula, paira como uma linha de céu perdida: esta hora alada cai sobre nós. Fechamo-nos em nós, recusamos o dote, a hora inarticulada que nos acompanha de perto quando o duplo silêncio se converte em declaração.

Silêncio

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As tuas mãos abertas sobre a relva fresca, o dedo aponta para lá do campo: os teus olhos sorriem tranquilos. A vegetação brilha sob céus dispersos. Tudo em nosso redor, até onde os olhos alcançam, são campos de orla prateada. Este silêncio visível, quieto como um mostrador de relógio.

O casal-montra

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Tal como o são agora. Pode o desejo prever uma nova hora, quando o fluxo do sentir escurecido se ilumine uma vez mais? Uma hora tão lenta a chegar, tão rápido passa, que floresce e desaparece, desmaia como uma flor derramada, um sonho atenuado.

Dois

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F.J. Torgal Dois silêncios em separado que, reunidos, encontram a voz; dois olhares que juntos sorriem, agora perdidos como estrelas por detrás de árvores sombrias; duas mãos distantes em que toque se anseia; dois peitos de mútua chama, feitos o mesmo; dois, o mesmo mar.

E ainda outra vez

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Diz de novo, e ainda mais uma vez, o que sentes. Embora a palavra repetida pareça a de um refrão, lembra-te, sem ele nunca o verde da primavera estará completo. Tu, cumprimentado entre a escuridão, “Diz uma vez mais.” Quem pode ter medo de estrelas a mais, de flores demais? Diz o que sentes, sente, sente-te — e ama também em silêncio.

O regresso do homem-montra

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Ausente dela, ainda permanece; Não lhe perguntem, quando regressas? O tolo que vagueia a desejar todo o dia, toda a noite a lamentar. Tenta voar a partir dos seus braços, que a sua fantática mente consiga provar os tormentos da falsa partida. Cansado de um mundo miserável, aposenta-se do peito onde flui a verdade. De novo errante, cai daquele céu sobre alguém desventurado; infiel aos outros, falso sem o querer saber, imperdoado por si mesmo – E lá vai perdendo pedaços de vida.

Os brilhantes esquemas

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Alimentei-me da sua radiância, deitado sob uma pereira em floração. Ela é marcada por um brilho sem nome. Luz e calor. São proféticos os aromas, os olhos deslumbram-se com o sentir feito manifesto, a mente parturiente e trémula inundanda de brilhantes esquemas.

O homem-vazio II

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Não devia pensar nela; e, cansado mas ainda com forças, evitava o amor que se encondia em todo o prazer – o amor dela –, na altura do céu e na passagem de uma música. Um pouco além do pensamento que invadia o peito, o pensamento dela aguarda escondido; mas sem nunca ser visto. Deve parar de pensar nela o dia inteiro. Espera que o sono chegue para encerrar cada dia difícil, quando a noite dá uma pausa ao relógio, todos os laços criados se devem perder com o primeiro sonho do primeiro sono. Corre,corre, para que ninguém o reúna.

O homem-vazio

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Nenhuma luz tardia acendeu o céu, nenhuma segunda manhã brilhou; toda a sua vida foi oferecida. Mas quando os dias de sonho pereceram, e até o desespero era inútil destruir; então aprendeu como deveria ser estimada a existência, fortalecida e alimentada. Avaliou as lágrimas de paixões inúteis; foi-lhe negado o desejo ardente de acelerar a descida. E, mesmo então, não se atreveu a deixá-lo definhar, não se atreveu a entrar na dor da memória; depois da angústia sorvida, como poderia ele procurar de novo o mundo vazio?

A terra fria

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Abbas Kiarostami A terra fria — Será que me esqueci, levado por fim no tempo? Agora, já não pairam sobre as montanhas os meus pensamentos, descansando as suas asas nas folhas de fenos. Derreteram-se em Primavera quinze Dezembros selvagens daquelas colinas: é o ser que se lembra após anos de mudança.

Permanente II

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Um momento em que a segurei no meu peito e olhei-a no profundo dos seus olhos; ergui-me ao ver as lágrimas quentes. Senti os lábios apenas por um momento e, desde então até agora, transporto aqui a memória desse beijo: apenas por um momento as pontas dos seus dedos tocaram-me o rosto, e aí permaneceu o toque ao seu cair.

Revelação II

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Gerhard Richter Um anjo caído no caminho para cada objectivo comum, a ampliação das perspectivas que nos aumenta. Um som a meio da noite, uma névoa ao meio-dia; uma lágrima formada, que o sorriso pode impugnar. Um regresso aos dias em que sóis matinais brilhavam assim, para te encontrares com esta mulher aos teus joelhos.

Revelação

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Uma estranha e súbita revelação à luz do meio-dia; uma paixão ofegante no peito. A sensação de algo que chega. Um sussuro no vento, um nunca ouvido antes; um desejo, um anseio. O borbulhar de todas as coisas que se transporta; o significado do mergulho ou da asa de um pássaro. Sem medo que amanhã se abra alguma porta escondida; a alegria como se os pés estivessem á beira da imortalidade.

Dança

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Chegava de noite e sussurrava palavras ao ouvido enquanto a abraçava. O céu nocturno era a sua pista de dança; mergulhavam em estrelas, orbitavam planetas. Derretia entre braços, planava ao seu ritmo. Escalavam altitudes, dançavam em êxtase, ardiam duplamente. Ele o amante, o acelerar do compasso; a cada passo, movendo-se com um só, recusando a efemeridade.

Como fruta perfumada

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O seu peito como fruta perfumada, ele estremecia com a sua voz. Misturavam-se, como o respirar de flores se mistura e derrete, e os seus lábios de espresso licor; como cursos de água, sorrisos no olhar. As pálpebras lentas do amanhecer. Ela como um santuário, ou um lírio cujo brilho queima; os pensamentos chegavam e partiam como ventos rasteiros entre folhas deixadas à luz. Ela vestia-se de céu nocturno em pleno verão.

Como areia entre dedos

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Andavam pela areia – três amigos – para ver as gaivotas mergulhar, enquanto aos seus pés murmuravam as águas, ondulando; em estado de felicidade observam o branco das ondas que chegam e partem de seguida. Sabia que não era ele. O coração afundou-se, viu bem o seu rosto quando ela estava perto, estavam todos bem, o amor escreveu silenciosamente a sua própria história. Deixou-os lá e saiu despercebido. O sonho tinha acabado.